Seja mais simples e serás mais feliz (e produtivo)

Entenda porque expectativas altas podem atrapalhar sua felicidade e produtividade.

Por Felipe Achete.

 

Observação: Ao ler esse texto, você perceberá que eu utilizei várias perguntas. Procure respondê-las antes de prosseguir com a leitura. Eu as coloquei porque aprendemos melhor quando vamos descobrindo a resposta por nós mesmos em vez de recebemos a solução pronta. Você perceberá que vou te conduzir para as respostas corretas pouco a pouco. No final, você deverá sair com uma aprendizagem mais consistente. Boa leitura, digo exercício. 😉

 

Diferença entre insatisfação, satisfação e encantamento

Os irmãos Gerônimo, Daniel e Christian compraram um software de gerenciamento do tempo e tiveram dúvidas ao utilizá-lo. Então, decidiram ligar no suporte técnico da empresa para pedir instruções. Mas antes disso, Gerônimo perguntou: quantos toques de telefone deveríamos ouvir antes de ser atendidos? Eu penso que deveríamos ser atendidos no primeiro toque. Daniel respondeu que dois para ele estava bom e Christian disse que até três toques ainda seria um número justo. E lá foram eles ligar. Um toque…, dois toques…, ‘Central de relacionamento, Sérgio bom dia’. Pois bem, paremos a história por aqui e façamos uma análise da provável avaliação que eles tiveram da qualidade do atendimento do suporte técnico na empresa até esse momento. Qual deles você acredita que está insatisfeito? Qual você diria que está satisfeito e qual está encantado?

Você provavelmente disse que Gerônimo ficou insatisfeito, Daniel satisfeito e Christian encantado, correto? Mas por que você respondeu isso? A resposta é: Gerônimo esperava ser atendido em até um toque, mas foram necessários dois. Ou seja, o desempenho da empresa para Gerônimo foi pior do que ele esperava, portanto, seu sentimento provável é a insatisfação. Já com Daniel, o sentimento é outro, pois ele foi atendido exatamente como esperava. Por isso, ele deve ter se sentido satisfeito. Ou seja, o sentimento dele não é nem negativo, nem super positivo, mas apenas ligeiramente positivo. Já Christian deve ter se surpreendido e ficado encantado com a agilidade da empresa que entendeu antes dos três toques que ele desejara. Se você teve esse raciocínio, parabéns, pois você intuitivamente já entendeu os conceitos de insatisfação, satisfação e encantamento.

Todos eles foram atendidos com dois toques, mas a reação de cada um foi diferente. Assim sendo, o que houve de diferente em cada situação para justificar esse resultado distinto? A resposta é: a expectativa. Gerônimo estava com a expectativa alta. Queria ser atendido rapidamente, em até um toque. Daniel tinha uma expectativa média e Christian tinha uma expectativa pequena. Logo, o que determinou o estado de ânimo deles não foi somente o que a empresa fez, mas sim o que eles esperavam que a empresa fizesse . Ou seja, a avaliação que fazemos do que acontece a nossa volta é influenciada pela expectativa que temos acerca desses acontecimentos. Se a expectativa é frustrada, ficamos insatisfeitos. Se a expectativa é atendida, ficamos satisfeitos. Mas se a expectativa é superada, ficamos encantados.

Assim sendo, se você considerar que o estado de humor de uma pessoa encantada é mais prazeroso do que o estado de humor de uma frustrada, que lição você pode tirar da conclusão acima? Você pode responder a essa pergunta de pelo menos duas maneiras: primeiro, devemos procurar não ter altas expectativas acerca das coisas, afinal quanto maior nossa expectativa, maior as chances de nos frustrarmos; segundo, devemos dar mais valor às coisas, pois quanto mais as valorizamos, maior as chances de nos encantarmos.

Observação: Utilizo a palavra ‘coisa’ para dar um sentido amplo ao texto, mas se não trata apenas de objetos, mas também de ambientes, situações, serviços, pessoas, etc.

 

Veja 3 dicas de como aplicar essas lições na vida real

  1. Evite estabelecer comparações entre suas experiências, procurando apreciar cada momento. Vamos entender como fazer isso com um exemplo. Suponha que você vá com seu marido/esposa a um restaurante e coma uma refeição deliciosa. Então, tempos depois vocês voltam ao restaurante e pedem o mesmo prato. Há uma tendência quase natural de querer comparar e checar se o prato da segunda vez estava tão bom quanto o da primeira vez. É isso que se deve combater. Em vez de focar na comparação da comida, preste atenção na pessoa que está junto de você. Sinta o ambiente. Talvez a música seja diferente. Você consegue pensar em outra coisa? Talvez o clima esteja com uma temperatura mais agradável, o garçom simpático e a salada fresca. Pense no quanto você tem trabalhado e em como é bom você poder usufruir desse momento. Perceba que mesmo quando situações muito similares se repetem, ainda há aspectos únicos em cada uma delas e como em cada um desses aspectos mora a possibilidade de você ser surpreendido.
  1. Valorize as coisas por elas mesmas. Voltando ao exemplo, quando você voltar ao restaurante, em vez de ficar pensando se o prato da segunda vez estava tão bom como a da primeira, foque no momento. Preste atenção no sabor do tempero e no quanto ele é saboroso. Em vez de pensar se o ambiente estava mais agradável ou não, perceba como você se sente bem ali. Em que mais você poderia focar? Constate como é bom ter um lugar de confiança, no qual você sabe que irá comer bem e ser bem atendido.
  1. Perceba a beleza das coisas. Inclusive das mais corriqueiras. Retornando mais uma vez ao exemplo, não veja o jantar como uma rotina do casal, mas sinta-se agradecido por ainda ter esses momentos juntos. Note como vocês ainda se arrumam um para o outro. Observe um colaborador do restaurante dando o melhor de si para atendê-los da melhor forma. Que outras belas sutilizas poderia haver ali? Perceba que as flores continuam a crescer e desabrochar e em como elas enfeitam e perfumam o local. Reconheça a beleza de estar vivo e de como é bom poder gozar de momentos como esse.

 

Como lidar com a frustração

As dicas acima te ajudam a não se frustrar, mas nem tudo ocorre como gostaríamos. Logo, a frustração é inevitável. Sabendo disso, chegamos à conclusão de que precisamos aprender a lidar com ela.

Diante da frustração, crianças costumam fazer birra, espernear, emburrar e fazer bico (protrusão dos lábios). Já os adultos costumam murmurar, ficar se lastimando, xingando a si e aos outros. Alguns continuam a emburrar e a fazer bico. Os comportamentos são diferentes, mas a função é relativamente a mesma: demonstrar descontentamento e forçar as pessoas a fazer a sua vontade por pressão emocional. Convenhamos que essa não é forma mais madura de lidar com a situação, concorda? De que outras maneiras uma pessoa pode reagir diante de uma contrariedade?

Vamos dividir as contrariedades em duas categorias: as solucionáveis e as não solucionáveis.

A categoria das não solucionáveis é simples de resolver, basta aceitar a situação. Se você sente raiva, sair xingando as pessoas não vai melhorar a situação. Mas ao contrário, pode até piorar. É muito melhor você canalizar a raiva fazendo algo útil, como por exemplo tomando alguma medida para evitar que esse problema ocorra novamente no futuro. Já para aquilo que há solução, deve-se agir para resolver o problema. Da mesma forma, canalizando a energia para algo positivo. Estas são as reações das pessoas que possuem boa inteligência emocional. Algo que você pode aprimorar praticando as dicas deste artigo.

Vejamos alguns exemplos de como isso pode acontecer. Categoria dos solucionáveis: o prato do restaurante veio errado, peça para trocar; pneu do carro furou a caminho do restaurante, troque ou peça ajuda; está com fome e a comida do restaurante atrasou, peça uma entrada rápida. Agora a categoria dos não solucionáveis: o prato que você queria comer saiu do cardápio. Paciência, peça outro. Devido o pneu do carro ter furado você perdeu a reserva no restaurante. Paciência, vá a outro. Observe que nenhum desses casos será mais facilmente resolvido se você murmurar, se lastimar, ou xingar. Isso é perda de tempo e desperdício de energia. Não há inteligência em desgastar-se sem necessidade!

 

Satisfação e felicidade

Todas as pessoas procuram ser felizes e um dos critérios que utilizam para saber se são bem-sucedidas nesse objetivo é a satisfação que sentem em suas vidas. Assim sendo, é natural que as pessoas busquem o que há de melhor, afinal qualidade é sinônimo de satisfação.

Mas tem-se um problema quando a pessoa se torna exigente demais, crítica demais e perfeccionista demais (traços são próprios daqueles que têm altas expectativas). Pessoas assim frequentemente sentem-se frustradas com as coisas. Se a pessoa sabe lidar com a frustração, isso não é tão grave. Mas quando não sabe, muitos efeitos negativos podem surgir.

Quando uma pessoa se frustra com algo, ela pode sentir-se tendenciosa a perceber as coisas negativamente. Voltemos ao exemplo do restaurante para entender como isso funciona. Suponha que a pessoa retorne ao restaurante e, ao chegar lá, não encontre vaga no estacionamento, sendo forçada a estacionar um pouco mais distante. Essa já seria a primeira frustração. Imagine também que o ar condicionado do restaurante quebrou e este encontra-se quente. Segunda frustração. Pois bem, essas duas experiências já seriam suficientes para a pessoa pensar: ‘Hum, dessa vez minha experiência aqui não será boa como a primeira’. Ou seja, já começou a comparação. E como consequência disso, ela começa a procurar por detalhes que confirmem essa hipótese. Ou seja, em vez de prestar atenção no que é bom, prestará atenção no que é ruim.  Além disso, começa a sentir-se incomodada com as coisas e a querer ir embora. Ou seja, em vez de valorizar o que existe de bom ali, começa a valorizar o que existe de bom fora dali, podendo inclusive pensar que seria melhor estar em outro lugar (vale notar que ela não sabe se o lugar imaginado está realmente melhor, sendo, portanto, apenas uma fantasia/imaginação que só existe em sua cabeça, mas que é suficiente para reforçar o sentimento de que ela não deveria estar ali). Logo, não seria surpresa que esse cliente saísse falando mal do restaurante mesmo que o prato estivesse delicioso, a companhia de bom humor e o atendimento impecável.

Assim temos que, se você sair por aí procurando defeitos nas coisas, você encontrará muitos. Mas se você saísse procurando coisas boas, você também encontraria muitas.

Com isso concluímos que uma pessoa simples, que se sente satisfeita com pouco, tende a ser uma pessoa mais feliz. Por outro lado, uma pessoa exigente, crítica e perfeccionista tende a sentir-se menos satisfeita e, portanto, mais infeliz.

Você já passou por alguma situação semelhante a descrita ou conhece alguém como a pessoa do exemplo? Pense em quantas pessoas tem uma vida difícil, sem luxo e são felizes, enquanto que outras levam uma vida cheia de sofisticação e têm depressão. Isso não significa que a frustração causa a depressão, mas ilustra que simplicidade não é sinônimo de tristeza e sofisticação não é sinônimo de felicidade.

 

Relação entre expectativa, felicidade e produtividade

A produtividade é algo fortemente relacionado com o humor de uma pessoa. Em termos práticos, podemos entender o humor como a disposição de uma pessoa para algo. Uma pessoa de bom humor tende a ser uma pessoa mais disposta e uma pessoa mais disposta tende a ser mais produtiva. Pense em uma pessoa alegre e em outra triste trabalhando e você terá uma clara visão disso. Portanto, cuidar da própria emoção é um aspecto chave para uma pessoa ser mais produtiva e uma das formas de fazer isso é administrando suas expectativas.

 

Mitos profissionais envoltos a falsas expectativas

Como vimos, as pessoas querem ser felizes. Muito do que elas fazem tem esse objetivo. Todavia, ocorre que nem sempre o caminho profissional escolhido é o melhor. Veja a seguir alguns mitos em que a expectativa de algo bom leva pessoas a fazerem más escolhas, prejudicando sua felicidade e sua produtividade.

  1. Mito do ‘mude de emprego que o outro é melhor’

Suponha dois colegas de trabalho conversando (lembre-se que quando queremos ver defeitos nós conseguimos e quando queremos ver qualidades nós também conseguimos). Um deles diz: ‘As vendas nessa empresa oscilam muito. Engana-se quem acha que tem estabilidade por trabalhar aqui’; E continua: ‘Esse seu trabalho é muito humilhante. Uma pessoa como você merece algo melhor’; Ainda: ‘Um amigo meu entrou na empresa aqui do lado e em dois anos já foi promovido três vezes. Lá não é como aqui, sem chances de crescimento’.

Pois bem, que tipo de influência essas frases gera em quem as ouve? Elas fazem com que a pessoa se frustre com a empresa em que trabalha e crie expectativas de que trabalhar em outro lugar é melhor. Assim, não surpreenderia que a pessoa se animasse a sair do emprego atual e ir para outro. Outro desfecho possível seria a pessoa desanimar a tal ponto que chegaria a ser demitida. Veja como esse tipo de frase é capaz de afetar a motivação e a produtividade simplesmente afetando o campo das expectativas das pessoas.

Não é errado mudar de emprego visando melhorar. Mas essa deve ser uma decisão consciente, fruto de um bom discernimento. É triste quando a pessoa se arrepende, percebendo que sua saída foi motivada por uma visão distorcida a respeito da empresa na qual trabalhava. Constatando que as outras empresas não eram melhores como ele imaginara. Perceba como é melhor dar ouvidos às pessoas que falam bem da empresa, em vez ouvir quem fala mal. Mesmo porque pessoas felizes com seu trabalho (motivadas) são melhor percebidas, melhorando sua empregabilidade dentro e fora da empresa.

  1. Mito do ‘vou ganhar dinheiro, ter uma vida luxuosa e serei feliz’

Quem busca a felicidade rodeando-se do que é bom precisa trabalhar, pois o que é bom costuma custar mais. Veja quantas pessoas vivem como se a felicidade fosse resultado de um carro potente, de uma casa enorme, de uma vida luxuosa… Se você se identifica com isso, espero que esse texto te ajude a dar mais atenção a família do que a casa, mais atenção para a companhia num jantar do que para a sofisticação do prato. Cuidado para não se tornar uma pessoa mesquinha e começar a afastar as pessoas de você. Quem vive pelo dinheiro (e pelo que ele proporciona) muitas vezes se submete a muita coisa ruim, como jornadas de trabalho extenuantes, a violação dos próprios valores pessoais, ou ainda a grandes cargas de estresses, visando manter um alto padrão de vida. Porém, como vimos a pouco, a sofisticação não é sinônimo de felicidade. Daí, pois, que se a pessoa tiver uma vida mais simples, concentrada nos aspectos que realmente contribuem para a felicidade, poderá ser mais feliz ( ainda que o padrão de vida caia). Ou seja, produzir muito não é garantia de felicidade. É preciso produzir certo.

  1. Mito da perfeição

Como já mencionado anteriormente no texto, o perfeccionismo é uma característica relacionada a altas expectativas. Uma pessoa que age assim costuma desprender muita energia quando faz algo, pois quer que seu trabalho seja impecável.

Entenda: qualidade é bom, mas perfeccionismo é ruim. Se você se encaixa nesse perfil, analise em quantos projetos você já investiu horas de dedicação e depois acabaram engavetados. É melhor investir um pouco mais de energia em planejamento, avaliando o quanto vale a pena dedicar-se a um projeto do que simplesmente mergulhar nele.

Mas cuidado, uma pessoa perfeccionista quando vai planejar, pode ter dificuldade. Tendendo a executar quase todo o projeto de uma vez. Ou tentando prever cada possível desvio do desvio que o projeto pode tomar, pensando em como lidar com eles. As duas coisas tomam muito tempo. E perda de tempo é algo ruim, certo? Veja como a obsessão pelo ótimo e pelo extraordinário te faz perder o olhar do essencial.

 

Conclusão

Não é errado buscar a felicidade. Devemos fazê-lo. Mas isso nem sempre é fácil, pois nossas emoções e pensamentos podem nos trair, levando-nos a não ter uma boa reação diante dos acontecimentos do mundo. Podemos conseguir alguma imunização a essas armadilhas, melhorando nossos sentimentos e decisões e, consequentemente, nossa felicidade e produtividade com uma pequena grande atitude: ser simples.

 

Observação: Releia as frases em negrito desse texto. Eles formam um resumo de seus pontos mais importantes. Isso deve ajudá-lo em sua memorização e aprendizagem.

Post by Felipe Achete